Um breve ensaio sobre alguns
pressupostos teóricos da abordagem psicanalítica
Sempre
me deparo na clínica com questionamentos do tipo: “Psicologia, psiquiatria e
psicanálise são mesma coisa?”, ou “Psicólogo dá remédio?”, ou mesmo “Por que
tenho que falar? Eu não preciso falar do problema, eu quero ouvir a solução!”. Pois
bem, essas questões todas me “convidaram” a ensaiar um pouco sobre os
pressupostos teóricos que sustentam psicanálise, abordagem pela qual me oriento
para a realização dos atendimentos clínicos.
Mas vamos por partes! Primeiro, psicologia, psiquiatria e psicanálise não são mesma coisa. Psiquiatria é uma especialidade da clínica médica e Psicologia, não. Portanto, será psicólogo quem se graduar em Psicologia e será psiquiatra quem se graduar em Medicina e, depois, se especializar em Psiquiatria. Uma diferença básica entre os dois: o psiquiatra, por ser médico, pode medicar e o psicólogo, não!
Mas, e a Psicanálise, onde entra? Psicanálise não é graduação, mas sim uma abordagem teórica, que pode ser transmitida tanto na universidade quanto em instituições externas a ela, tal como a Escola Brasileira de Psicanálise, por exemplo. Como qualquer outra abordagem teórica, a psicanálise detém uma maneira específica de “enxergar” o ser humano e suas relações com o mundo. Sendo assim, tanto o médico quanto o psicólogo podem optar por considerar o ser humano a partir da perspectiva psicanalítica, ou por outra teoria também, se assim preferir.
No entanto, a psicanálise é muito citada no cotidiano, sendo alvo de piadinhas das pessoas, frente a alguma situação atípica: “Freud explica!”, “Fulana está histérica hoje”, ou “Sem neurose, viu?!”. De fato, o "pai da Psicanálise" foi o neurologista Sigmund Freud, que começou aprofundar seus estudos acerca da mente humana no final do século XIX, na Europa. Ele mesmo, numa das últimas conferências ministradas antes de sua morte3, definiu a psicanálise como sendo “um ramo especial do conhecimento, muito difícil de entender e de ter uma opinião formada a respeito, que se ocupa de coisas muito sérias, de modo que não serão algumas piadas que farão com que uma pessoa consiga aproximar-se da análise e, enfim, seria melhor encontrar algum outro brinquedo para entretenimento social”.
Freud foi bastante criterioso ao definir o campo de estudo psicanalítico dessa maneira, uma vez que se trata de uma teoria bastante complexa, cabendo aos profissionais que por ela optaram se debruçarem cuidadosamente sobre todo o vasto material teórico já produzido a esse respeito, além de se submeterem à própria análise e de se pautarem nos ensinamentos que a prática clínica oferece. Obviamente, não conseguirei abarcar a psicanálise nesse pequeno texto, e meu objetivo é mesmo outro.
Pretendo me ater basicamente à pergunta que deu origem ao ensaio: há cura pela palavra? Ora, a ferramenta de trabalho do psicanalista é a palavra, e se ele não acreditasse nisso, estaria fadado ao fracasso profissional. O que seria importante frisar aqui, talvez, seria a diferença entre a “cura” esperada pelo paciente, e a “cura” possível de ser alcançada através de um tratamento analítico.
Freud mesmo já nos advertiu, em 19122, que nem todas as pessoas podem se beneficiar do processo analítico. Lacan, outro importante psiquiatra psicanalista do século XX, nos diz que a única justificativa para se propor uma análise é quando a pessoa demanda o livramento de um sintoma3. Sendo assim, o primeiro passo para que seja proposto um atendimento psicanalítico é a demanda, ou seja, é o interesse da pessoa em se ver livre de um determinado sintoma. Podemos aqui parafrasear o velho ditado: “Quando um não quer, dois não psicanalisam!”
Mas só querer não basta! No início do tratamento, o sujeito se apresenta ao analista para se queixar de seu sintoma e pedir-lhe o auxílio para que dele se desvencilhe, mas não é o suficiente. É preciso que o analista propicie que essa queixa inicial, endereçada a ele, passe do estatuto de pedido de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este se instigue a decifrá-lo. É preciso que o analista instaure a “pulga atrás da orelha” do sujeito, de forma que ele se convoque a perguntar: “Que quero?”3. É com essa interrogativa que o sintoma será questionado pelo analista, que procurará saber a quê este sintoma está respondendo, e o que ele está representando.
Assim, o sintoma será elevado ao estatuto de enigma. Antes disso, o sujeito não se responsabiliza por seu sintoma, e seu discurso vem entroncado, repleto de fala vazia. Quando o sintoma faz enigma, ele responsabiliza o sujeito da sua condição e aparece o questionamento: “Afinal, o que quero?”. Assim, o sintoma não é resposta, o sintoma é questão. E, a partir da fala, o sujeito tentará esboçar uma possível resposta a essa questão, deixando vir à tona alguns dos pontos traumáticos que ficaram para trás, escondidos nas profundezas do seu inconsciente, mas que insistem em voltar, fazendo-o tropeçar. Nesse sentido, é pela palavra dita (não pela ouvida) que a cura pode ser almejada. E obter a cura não significa necessariamente se livrar plenamente do sintoma, mas vislumbrar a possibilidade de conseguir viver melhor com ele, tentar saber como funciona, quando e por que acontece, e quando fica amenizado, por exemplo.
Mas afinal, ao que serve um tratamento pelo viés psicanalítico? O processo de análise poderia ser pensado, aí, como a possibilidade encontrada pelo sujeito para percorrer seus processos identificatórios, de maneira a se livrar um pouco do peso do Outro (entendam esse “Outro” como a família, os amigos, a sociedade, etc). Dito de outra forma, a análise serviria no sentido de possibilitar ao sujeito lidar melhor com as questões que lhe concernem e lhe consternam, e a cura analítica poderia operar no sentido de permitir a significação retroativa ao que permaneceu obscuro para o sujeito em uma dada experiência. Em análise, o sujeito é convidado a assumir o risco de embarcar na aventura de descobrir coisas sobre si mesmo e sobre a sociedade em que vive, de maneira que não precise abrir mão de sua vida, mas que possa vivê-la de uma forma mais leve.
No entanto, o tratamento analítico não propõe milagres instantâneos. Freud mesmo nos alertou1 que as modificações psíquicas de fato só se fazem lentamente; e se ocorrem rápida e subitamente, é um mau sinal de que podem voltar! No entanto, é importante não desanimar diante das resistências inerentes ao tratamento; ao contrário, é preciso per laborar, trabalhar sobre esse sintoma que, na maioria das vezes, insiste em se repetir.
Termino este texto me valendo das palavras que Freud utilizou para finalizar sua conferência1: A atividade psicanalítica é árdua e exigente, mas é um método terapêutico como os demais, embora seja mais laborioso e demorado. Ela tem seus triunfos e suas derrotas, suas limitações e suas indicações. No entanto, se não tivesse valor terapêutico, a psicanálise não teria sido descoberta e não teria continuado a se desenvolver até hoje, decorridos mais de cem anos.

Mas vamos por partes! Primeiro, psicologia, psiquiatria e psicanálise não são mesma coisa. Psiquiatria é uma especialidade da clínica médica e Psicologia, não. Portanto, será psicólogo quem se graduar em Psicologia e será psiquiatra quem se graduar em Medicina e, depois, se especializar em Psiquiatria. Uma diferença básica entre os dois: o psiquiatra, por ser médico, pode medicar e o psicólogo, não!
Mas, e a Psicanálise, onde entra? Psicanálise não é graduação, mas sim uma abordagem teórica, que pode ser transmitida tanto na universidade quanto em instituições externas a ela, tal como a Escola Brasileira de Psicanálise, por exemplo. Como qualquer outra abordagem teórica, a psicanálise detém uma maneira específica de “enxergar” o ser humano e suas relações com o mundo. Sendo assim, tanto o médico quanto o psicólogo podem optar por considerar o ser humano a partir da perspectiva psicanalítica, ou por outra teoria também, se assim preferir.
No entanto, a psicanálise é muito citada no cotidiano, sendo alvo de piadinhas das pessoas, frente a alguma situação atípica: “Freud explica!”, “Fulana está histérica hoje”, ou “Sem neurose, viu?!”. De fato, o "pai da Psicanálise" foi o neurologista Sigmund Freud, que começou aprofundar seus estudos acerca da mente humana no final do século XIX, na Europa. Ele mesmo, numa das últimas conferências ministradas antes de sua morte3, definiu a psicanálise como sendo “um ramo especial do conhecimento, muito difícil de entender e de ter uma opinião formada a respeito, que se ocupa de coisas muito sérias, de modo que não serão algumas piadas que farão com que uma pessoa consiga aproximar-se da análise e, enfim, seria melhor encontrar algum outro brinquedo para entretenimento social”.
Freud foi bastante criterioso ao definir o campo de estudo psicanalítico dessa maneira, uma vez que se trata de uma teoria bastante complexa, cabendo aos profissionais que por ela optaram se debruçarem cuidadosamente sobre todo o vasto material teórico já produzido a esse respeito, além de se submeterem à própria análise e de se pautarem nos ensinamentos que a prática clínica oferece. Obviamente, não conseguirei abarcar a psicanálise nesse pequeno texto, e meu objetivo é mesmo outro.
Pretendo me ater basicamente à pergunta que deu origem ao ensaio: há cura pela palavra? Ora, a ferramenta de trabalho do psicanalista é a palavra, e se ele não acreditasse nisso, estaria fadado ao fracasso profissional. O que seria importante frisar aqui, talvez, seria a diferença entre a “cura” esperada pelo paciente, e a “cura” possível de ser alcançada através de um tratamento analítico.
Freud mesmo já nos advertiu, em 19122, que nem todas as pessoas podem se beneficiar do processo analítico. Lacan, outro importante psiquiatra psicanalista do século XX, nos diz que a única justificativa para se propor uma análise é quando a pessoa demanda o livramento de um sintoma3. Sendo assim, o primeiro passo para que seja proposto um atendimento psicanalítico é a demanda, ou seja, é o interesse da pessoa em se ver livre de um determinado sintoma. Podemos aqui parafrasear o velho ditado: “Quando um não quer, dois não psicanalisam!”
Mas só querer não basta! No início do tratamento, o sujeito se apresenta ao analista para se queixar de seu sintoma e pedir-lhe o auxílio para que dele se desvencilhe, mas não é o suficiente. É preciso que o analista propicie que essa queixa inicial, endereçada a ele, passe do estatuto de pedido de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este se instigue a decifrá-lo. É preciso que o analista instaure a “pulga atrás da orelha” do sujeito, de forma que ele se convoque a perguntar: “Que quero?”3. É com essa interrogativa que o sintoma será questionado pelo analista, que procurará saber a quê este sintoma está respondendo, e o que ele está representando.
Assim, o sintoma será elevado ao estatuto de enigma. Antes disso, o sujeito não se responsabiliza por seu sintoma, e seu discurso vem entroncado, repleto de fala vazia. Quando o sintoma faz enigma, ele responsabiliza o sujeito da sua condição e aparece o questionamento: “Afinal, o que quero?”. Assim, o sintoma não é resposta, o sintoma é questão. E, a partir da fala, o sujeito tentará esboçar uma possível resposta a essa questão, deixando vir à tona alguns dos pontos traumáticos que ficaram para trás, escondidos nas profundezas do seu inconsciente, mas que insistem em voltar, fazendo-o tropeçar. Nesse sentido, é pela palavra dita (não pela ouvida) que a cura pode ser almejada. E obter a cura não significa necessariamente se livrar plenamente do sintoma, mas vislumbrar a possibilidade de conseguir viver melhor com ele, tentar saber como funciona, quando e por que acontece, e quando fica amenizado, por exemplo.
Mas afinal, ao que serve um tratamento pelo viés psicanalítico? O processo de análise poderia ser pensado, aí, como a possibilidade encontrada pelo sujeito para percorrer seus processos identificatórios, de maneira a se livrar um pouco do peso do Outro (entendam esse “Outro” como a família, os amigos, a sociedade, etc). Dito de outra forma, a análise serviria no sentido de possibilitar ao sujeito lidar melhor com as questões que lhe concernem e lhe consternam, e a cura analítica poderia operar no sentido de permitir a significação retroativa ao que permaneceu obscuro para o sujeito em uma dada experiência. Em análise, o sujeito é convidado a assumir o risco de embarcar na aventura de descobrir coisas sobre si mesmo e sobre a sociedade em que vive, de maneira que não precise abrir mão de sua vida, mas que possa vivê-la de uma forma mais leve.
No entanto, o tratamento analítico não propõe milagres instantâneos. Freud mesmo nos alertou1 que as modificações psíquicas de fato só se fazem lentamente; e se ocorrem rápida e subitamente, é um mau sinal de que podem voltar! No entanto, é importante não desanimar diante das resistências inerentes ao tratamento; ao contrário, é preciso per laborar, trabalhar sobre esse sintoma que, na maioria das vezes, insiste em se repetir.
Termino este texto me valendo das palavras que Freud utilizou para finalizar sua conferência1: A atividade psicanalítica é árdua e exigente, mas é um método terapêutico como os demais, embora seja mais laborioso e demorado. Ela tem seus triunfos e suas derrotas, suas limitações e suas indicações. No entanto, se não tivesse valor terapêutico, a psicanálise não teria sido descoberta e não teria continuado a se desenvolver até hoje, decorridos mais de cem anos.
1 Freud, S. (1933). Conferência XXXIV: explicações,
aplicações e orientações”. Em: Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol.
XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
2 Freud, S. (1912) “Recomendações aos médicos que
exercem a psicanálise”. Em: Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol.
XII. Rio de Janeiro: Imago. 1996.
3 Lacan, J. (1998). “Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no
Inconsciente Freudiano”. Escritos,
cap. 7. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
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