Gizele Almeida**
Hoje, dia 8 de março de 2014, Dia Internacional da
Luta Feminina, gostaria de trazer uma música do Moreira da Silva, também
conhecido como Kid Morengueira, carioca que nasceu em 1902 e faleceu em 2000,
com 98 anos. Escolhi essa música pela sugestão de um colega de trabalho, também
psicólogo, quando num dado momento discutíamos sobre a objetalização da mulher.
"Na subida do morro me contaram
Que você bateu na minha nega
Isso não é direito
Bater numa mulher
Que não é sua
Deixou a nega quase nua
No meio da rua
A nega quase virou presunto
Eu não gostei daquele assunto
Hoje venho resolvido
Vou lhe mandar para a cidade
De pé junto
Vou lhe tornar em um defunto".
Nesse trecho da música, Kid Morengueira brigou com
o colega porque ele mexeu com uma mulher que não era "dele". Não se
deve mexer nos "objetos" dos outros sem autorização, certo?
Escolhi justamente essa parte para marcar como na
música fica clara a noção de objetalização da mulher. Deve-se considerar que
tal composição data de outra época, mas, mesmo assim, ainda hoje há músicas,
propagandas, programas de TV que apresentam, em seu discurso, a mulher dessa
mesma forma e que, de modo velado, naturalizado e cotidiano, incutem na
sociedade o machismo, o sexismo e a ilusão de posse sobre corpo da mulher.
Esse discurso é tão forte que parece correr nas
veias como sangue, como nos apontou a filósofa feminista Judith Butler, de tal modo
que perpetramos incessantemente essa lógica machista, a ponto de ela passar a
ser socialmente aceita.
E assim caminhamos: cartaz de campeonato de som com
mulher seminua ao lado do carro, propaganda de cerveja com mulher seminua segurando
um copo, programa "humorístico" com mulheres seminuas rebolando, olhares
na rua para corpos de mulheres como se eles fossem um pedaço de carne...
Dessa forma o corpo feminino vai sendo
paulatinamente marcado pelo discurso, fazendo com que ele saia do campo da
propriedade pessoal e intransferível da mulher e caminhe para o campo da
propriedade de todos (os homens). E aí se consolida a objetalização.
A Profª. Drª. Sandra Azerêdo (UFMG) arriscava um
substantivo ainda mais pungente: abjetalização. O corpo da mulher se torna
abjeto, ou seja, produto perecível, usável e descartável.
E, nessa lógica machista naturalizada, é cada vez
mais comum haver mulheres que mergulham de cabeça em busca desse corpo cada vez
mais durável e adequado para "consumo": silicone, lipoescultura,
retirada de costela, botox, reconstituição
de hímen, relaxamento antifrizz, megahair,
etc, etc... e etc.
Eis aí um corpo esculpido amiúde pelo discurso!
Mais do que esculpido: dolorosamente talhado!
Encerro, então, com a única afirmativa plausível na
música: "Isso não é direito... bater em mulher!" e ponto final, ok,
Kid?! Até mesmo porque a mulher não é sua e nem de ninguém... ela é dela mesma!
No mais, um grande abraço a todos/as que lutam pela causa!
*Texto informal, sem pretensão maior, mas elaborado a partir das ideias construídas no meu atual trabalho de monografia, "O corpo feminino enquanto discurso", a ser apresentado para obtenção do título de pós-graduação em Políticas Públicas de Gênero e Raça-etnia, da Universidade Federal de Ouro Preto.
**Gizele Ameida (CRP MG 04|32902) é psicóloga
psicanalista, graduada pela UFMG e pós-graduanda pela UFOP. Atua desde 2007 no
atendimento a crianças e adolescentes e, atualmente, é psicóloga educacional da
Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Rio Abaixo/MG. Este e outros textos
foram publicados no seu blog: gizelealmeida.blogspot.com.br e na página do
facebook: Consultório de Psicologia Gizele Almeida. E-mail para contato:
gizelepsicologia@gmail.com.
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