Quem sou eu

Minha foto
Sao Goncalo Do Rio Abaixo, Minas Gerais
Psicóloga psicanalista, graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais, e pós-graduanda em Políticas Públicas de Gênero e Raça-etnia, pela Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente, sou psicóloga clínica, em consultório particular, e psicóloga educacional da Secretaria Municipal de Educação, ambos em São Gonçalo do Rio Abaixo/MG. Contato: (31) 9232 1722 | gizelepsicologia@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7412358239952349
AGORA TAMBÉM NO FACEBOOK

Oi, pessoal...
Agora tenho um espaço no facebook para postar links e textos mais voltados para os trabalhos que realizo na clínica...
Curtam lá!
Um abraço!
Gizele


https://www.facebook.com/consultoriodepsicologiagizelealmeida?ref=hl

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

DEITE-SE... EU QUERO LHE USAR!

OBRA DE JORGE AMADO DENUNCIA VIOLÊNCIA (SEXUAL) DOMÉSTICA

"[Sobre o romance de Gabriela com o turco Nacib, uma linda] história de amor, que (...) começou no mesmo dia claro, de sol primaveril, em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou, a tiros de revólver, dona Sinhazinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedade local, morena mais para gorda, dada às festas de igreja". ("Gabriela, cravo e canela", romance de Jorge Amado, 1958)


    É com essa frase que Jorge Amado inicia um dos seus mais belos e famosos romances, escrito por ele em 1958, para retratar a sociedade da pequena cidade de Ilhéus da década de 20. A vida da personagem Gabriela é narrada a partir dos acontecimentos desse vilarejo, dentre eles o mais expoente, o assassinato da Dona Sinhazinha por seu marido, o coronel Jesuíno. Tanto é que, no romance, até a centésima página[1] não se tem especulação maior do que as causas e circunstâncias da morte dessa senhora, que era até então tida como o pilar moral da sociedade ilheense.
     Recentemente, o romance vem sendo reapresentado na TV sob a forma de novela[2], a partir de um remake datado de 1975. Nessa recente filmagem, a Dona Sinhazinha foi brilhantemente representada pela atriz Maitê Proença, que, no dia 08 de agosto (30º capítulo), foi assassinada com dois tiros pelo marido, o coronel Jesuíno, na trama representado por José Wilker. Essa foi a última agressão desse homem a uma mulher que, em todos os episódios anteriores, foi violentada de alguma forma, seja no âmbito físico, psicológico, moral, sexual ou patrimonial.
     Baseada na atuação da Dona Sinhazinha da novela é que optei por tecer alguns comentários acerca da violência contra a mulher no âmbito afetivo/doméstico, uma vez que a novela tende a deter um maior acesso da população brasileira, se comparada ao livro. O objetivo é o de me valer da dramaturgia para mostrar que, infelizmente, vale o ditado de que “a arte imita a vida”. Assim como na ficção de Jorge Amado, na pequena Ilhéus de 1925, ainda hoje, em 2012, a mulher continua sendo violentada de diversas formas, com agressões cada vez mais atrozes, até culminar, muitas vezes, em seu assassinato.
      Assim como a Dona Sinhazinha foi violentada nos diversos âmbitos previstos pela Lei Maria da Penha[3], muitas mulheres brasileiras ainda hoje estão sob o jugo do homem (na maioria das vezes o agressor vem representado pela figura masculina), seja ele marido, namorado, pai ou irmão. Também pode ocorrer com uma companheira, em caso de união homoafetiva, por exemplo.
      O simples fato de ela ser mulher é o que determina o motivo pelo qual foi agredida e, baseado nessa condição de mulher, é que o agressor(a) constrói o seu discurso de que tem o direito de violentá-la. Tem-se aí como base uma relação de patriarcado, muito presente em sociedades sexistas, em que há a desigualdade das relações entre homem e mulher, o que permite que haja um exercício privado e institucionalizando de poder, controle e domínio, usando-se como ferramenta para isso a violência[4].
      Pois bem, são cinco os tipos de violência doméstica, segundo a Lei Maria da Penha: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Para evitar um texto muito longo, aqui abordarei somente a violência sexual, que foi a mais pungente no caso de Dona Sinhazinha.
     Da mesma forma como o coronel Jesuíno usou por diversas vezes a frase “Deite-se, eu quero lhe usar”, ou “A senhora é minha mulher e tem a obrigação de me servir”, ou mesmo “A mim só me interessa o que a senhora tem entre as pernas”, muitas mulheres ainda escutam diariamente essas mesmas frases e são, cotidianamente, violentadas sexualmente, obrigadas a manter relações sexuais com seus parceiros(as), sob a justificativa de que esse é seu "dever de mulher”.
      Esse é um claro exemplo de violência sexual, que acontece na vida real em muitos lares brasileiros, e a mulher muitas vezes nem se dá conta de que está em uma situação de extrema violação de direitos, talvez porque esse discurso fica tão naturalizado na sociedade, que acaba correndo nas veias como sangue[5]. Assim, essa situação de violência não é sequer problematizada, a ponto de a mulher não deter a consciência de que seu corpo é de sua exclusiva propriedade e responsabilidade, cabendo a ela a escolha de manter relação sexual se, quando e com quem quiser.
    A igualdade só pode ser obtida por meio da conquista da autonomia por parte dessas mulheres[6] e dar fim à violência doméstica só será possível quando pudermos falar claramente sobre ela, quando pudermos entender os mecanismos que a engendram, e mais, quando pudermos conferir visibilidade a essa luta pela preservação dos direitos humanos.


[1] Amado, Jorge, 2001. Gabriela cravo e canela. 85 ed. Rio de Janeiro: Record.
[2] Gabriela, novela de Walcyr Carrasco, inspirada na obra Gabriela cravo e canela, de Jorge Amado. TV Globo, Licenciado por Warner Bros.
[3] Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.
[4] Grossi, P. K., Casanova, M. F e Starosta, M. , 2004. Violência, gênero e políticas públicas. Porto Alegre: Edipucrs

[5] Prins, B. e  Meijer, I. C., 2002. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Rev. Estud. Fem. [online]. vol.10, n.1, pp. 155-167.

[6] Saffioti, H., 2004. Gênero e patriarcado: Violência contra mulheres. In A mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário